ESTABILIZAÇÃO CIRÚRGICA DE FRATURA UNILATERAL COMPLETA DE RAMO HORIZONTAL EM MANDÍBULA DE CÃO DOMÉSTICO – RELATO DE CASO

Poliana Pimentel
Universidade de Guarulhos- UNG, São Paulo, Brasil

Amanda Pereira Marques
Universidade Estadual da Região Tocantins do Maranhão (UEMASUL),
Imperatriz, Maranhão, Brasil

Diego Carvalho Viana
Núcleo de Estudos Morfofiologicos
Avançados (NEMO)
Universidade Estadual da Região Tocantins do Maranhão (UEMASUL), Imperatriz, Maranhão, Brasil

Paulo Usignolo Carnauba Vicente
Clínica Veterinária FULL PET, Guarulhos, São Paulo, Brasil
paulo_usignolo@yahoo.com.br

Resumo
Fraturas de mandíbula são comuns em pequenos animais como cães. Sua importância está diretamente ligada à importância funcional desse osso já que tais fraturas podem ser responsáveis por alterações anatômicas capazes de prejudicar a mastigação, a fonação e a deglutição de animais afetados. Como não é possível seguir um padrão acerca das correções e métodos utilizados nos tratamentos devido fatores como o tipo de fratura, localização, raça, idade do animal, a presença ou ausência de dentes, faz-se necessário que cada caso seja detalhado e criteriosamente estudado. Este estudo teve como objetivo relatar o caso clínico de um animal da raça shit-tzu que apresentou uma fratura simples, completa, oblíqua e unilateral do ramo horizontal medial de mandíbula esquerda, em que a correção foi feita através do posicionamento firme de um fio de aço inoxidável, maleável, 2.0 hexagon e cirúrgico no osso afetado. A técnica utilizada apresentou-se adequada para o animal que estava sendo tratado por permitir que ele retornasse a suas atividades normais após o período de repouso.

SURGICAL STABILIZATION OF COMPLETE UNILATERAL FRACTURE OF HORIZONTAL
BRANCH IN A DOMESTIC DOG JAW – CASE REPORT


Abstract
Jaw fractures are common in small animals such as dogs. Its importance is directly linked to the functional importance of this bone since such fractures may be responsible for anatomical changes capable of impairing the chewing, phonation and swallowing of affected animals. As it is not possible to follow a standard regarding the corrections and methods used in the treatments due to factors such as the type of fracture, location, breed, age of the animal, the presence or absence of teeth, it is necessary that each case be detailed and carefully studied. This study aims to report the clinical case of an animal of the shit-tzu breed that presented a simple, complete, oblique and unilateral fracture of the medial horizontal branch of the left mandible, in which the correction was made through the firm positioning of a wire stainless steel, malleable, 2.0 hexagon and surgical on the affected bone. The technique used was adequate for the animal that was being treated because it allowed it to return to its normal activities after the resting period.

Estabilização cirúrgica de fratura unilateral completa de ramo horizontal em mandíbula

1. INTRODUÇÃO
As fraturas de mandíbula são ordinárias em cães, representando cerca de 3 a 6 % de todas as fraturas ósseas em cães. As fraturas mandibulares ocorrem, geralmente, em consequência de processos traumáticos (GOMES, 2013; MENDES et al.,2019). A presença dos dentes e de suas raízes, a necessidade de manutenção da oclusão e a baixa cobertura muscular são itens importantes a serem considerados antes da escolha do melhor método (SOFAL et al., 2021). As fraturas mandibulares podem também levar a alterações anatômicas nas funções básicas, como mastigação, fonação e deglutição (GOMES et al., 2010).

Não é possível estabelecer um padrão terapêutico para as fraturas mandibulares. Cada caso deve ser avaliado detalhadamente e, portanto, fatores como o tipo de fratura, localização, raça, idade do animal, a presença ou ausência de dentes e a oclusão dentária devem sempre ser considerados (ASSUNÇÃO, 2017). Entre os métodos de estabilização, se destacam a utilização de fio metálico, pino intramedular, fixador esquelético externo, resina acrílica e placa óssea (CASTRO et al., 2014). A utilização de placas ósseas convencionais em fraturas de mandíbula está relacionada a diversas complicações, tais como a necessidade de grande elevação dos tecidos moles para sua aplicação, o alto risco de lesão ao canal medular e à raiz dentária, e à difícil modelagem da placa na mandíbula, podendo acarretar em má oclusão. Portanto, este estudo teve como objetivo relatar um caso de fratura completa simples oblíqua, do ramo horizontal da mandíbula de cão (Canis familiaris), atendido em caráter de urgência.

2. RELATO DE CASO
Foi encaminhado ao Centro Cirúrgico do Hospital Veterinário Fullpet – Unidade Guarulhos, um animal da espécie canina, raça Shit-tzu, macho, 6 Kg peso corpóreo, 10 anos de idade, brevilíneo, braquicefálico e com queixa principal de traumatismo crânio encefálico decorrente de queda. Durante a avaliação clínica do paciente notou-se incongruência na oclusão bucal (Fig. 01A). Após a realização de estudos radiográficos (Fig. 01B), foi possível confirmar, a presença de fratura simples, completa, oblíqua e unilateral do ramo horizontal medial de mandíbula esquerda.

O paciente foi internado para controle da analgesia até os resultados dos exames estarem prontos e um diagnóstico preciso do trauma poder ser definido, bem como avaliação do prognóstico cirúrgico por exames complementares. Depois de estabilizado, o paciente foi encaminhado ao centro cirúrgico e iniciou-se medicação pré-anestésica utilizou-se, por via intramuscular, diazepam como tranquilizante e cloridrato de xilazina a 1%, a fim de promover o miorelaxamento desejado. Foram ainda administrados cloridrato de tramadol (4 mg/Kg) como analgésico, acepromazina na dose de 0,1 mg/kg e meperidina na dose de 4 mg/kg, ambas pela via intramuscular. A indução anestésica foi realizada com propofol (5 mg/kg pela via intravenosa) e a manutenção com o uso de isoflurano vaporizado em oxigênio por via inalatória e citrato de fentanila na dose de 5 µg/Kg pela via intravenosa. A técnica de correção cirúrgica do corpo da mandíbula consistiu-se, basicamente, no posicionamento firme de um fio de aço inoxidável, maleável, 2.0 hexagon e cirúrgico, no osso da mesma, mais especificamente, passados de maneira circular através de perfuração cirúrgica realizada no corpo da mandíbula 2 cm posterior à fratura bem como 2 cm rostral à fratura (Fig. 2A e 2B). O fio foi apertado por técnica de torção das pontas, mantendo a linearidade do eixo ósseo. Os dentes foram higienizados para minimização de processos infecciosos pós cirúrgicos. Foi realizada uma antissepsia de cavidade oro-bucal, com digluconato de clorexidine a 0,12%. As medicações prescritas para o pós-operatório foram Silmox 50 mg® (12 mg/kg), 1 comprimido e 1/2 BID durante 10 dias e o Nulli® (6 mg/kg), 0,5ml/via oral BID durante 10 dias, como escolha alimentar Mon Petit Chéri ® Poulet Cães adultos raças pequenas. Tais rações devem ser fornecidas sempre umedecidas e amolecidas com água morna, a alimentação pastosa foi mantida por 60 dias. Retornos e radiografias de controle foram realizados a cada 30 dias. Após 60 dias o estudos radiográfico demonstrou início de consolidação óssea bem como a avaliação de mobilidade provou que a mandíbula se apresentava bem estável. Durante a avaliação clínica de retorno após 90 dias, o animal conseguiu se alimentar normalmente sem qualquer tipo de dificuldade durante movimentação de mandíbula.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os casos de fratura de mandíbula são comumente vistos na clínica de pequenos animais, representando cerca de 3 a 6% de todas as fraturas ósseas da espécie canina, geralmente acontecem em decorrência de brigas e acidentes veiculares o que pode tornar as lesões abertas e contaminadas (GOMES et al., 2010). A maior parte das fraturas em caninos são em animais do sexo masculino, estes considerados os mais predispostos a sofrer acidentes, se envolver em brigas e serem mais agressivos, devido à influência dos hormônios masculinos esteroides e aos padrões comportamentais. Grande parte dessas fraturas mandibulares ocorrem em animais sem raça definida (RSD) que frequentemente apresentam traumas nas regiões de pré-molares e molares (NEVES, 2010; DIAS et al., 2012).

O peso do cão deste caso (6 kg) reforça dados da literatura que afirmam que animais com menos 16 kg são os mais predispostos na ocorrência de fraturas no crânio (FREITAS et al., 2017). A ocorrência de grande parte das fraturas mandibulares em animais de até 12 meses de idade é comum (FREITAS, 2017), o que discorda deste relato em que o cão afetado tinha 10 anos de idade. Não foram encontrados na literatura dados que comprovem que o formato braquicefálico seja capaz de influenciar a ocorrência de fraturas na mandíbula.

O animal deste caso clínico foi submetido à cirurgia com a seguinte medicação pré-anestésica: diazepam como tranquilizante e cloridrato de xilazina a 1%, com o objetivo de chegar ao miorelaxamento desejado. Além desses, foram administrados cloridrato de tramadol (4 mg/Kg) como analgésico, acepromazina na dose de 0,1 mg/kg e meperidina na dose de 4 mg/kg. Todos os medicamentos foram administrados por via intramuscular. Costa (2011) utilizou como medicação pré-anestésica os mesmos medicamentos como o diazepam e o cloridrato de xilazina a 1% como tranquilizantes e o cloridrato de tramadol como analgésico. Freitas (2017) para correção de fratura mandibular semelhante a essa, utilizou apenas morfina como medicação pré-anestésica, também ministrada por via intramuscular.

Por conseguinte, foi realizada a indução anestésica com o uso de Propofol (5 mg/kg) e a manutenção com o uso de isoflurano vaporizado em oxigênio por via inalatória e citrato de fentanila na dose de 5 µg/Kg pela via intravenosa. Freitas (2017) também emprega o Propofol 5 mg/kg) para indução anestésica e isoflurano para manutenção anéstesica e Costa (2011) realiza a indução e a manutenção anestésica baseadas em halotano em oxigênio através da via inalatória e a fluidoterapia intravenosa transoperatório em solução fisiológica de NaCl a 0,9%.

A técnica de correção cirúrgica do corpo da mandíbula utilizada neste relato consistiu, basicamente, no posicionamento firme de um fio de aço inoxidável, maleável, 2.0 hexagon e cirúrgico no osso. Essa técnica de fixação interna exige o mínimo cuidados pós-operatório e devido a isso é comumente utilizada na rotina clínica. O uso desta técnica em animais saudáveis pode resultar no retorno precoce de suas atividades essenciais como mastigação e deglutição (ASSUNÇÃO, 2017).

Segundo Assunção (2017), o uso de fio interfragmentário é indicado para uma gama de fraturas mandibulares: transversas, oblíquas e cominutivas, método utilizado neste relato de caso por se tratar de uma fratura simples, completa, oblíqua e unilateral. Caso o animal fosse jovem não seria possível o uso dessa técnica, visto que não haveria dentes próximos a essa fratura para ancorar os fios. O perfil do paciente deste relato se encaixava no status requerido, por possui 10 anos de idade e já ter concluído o pleno desenvolvimento dos dentes.

Foi realizada uma antissepsia de cavidade oro-bucal, com digluconato de clorexidine a 0,12% com o intuito de prevenir infecções e inflamações provenientes do acúmulo de restos alimentares nos dentes, o mesmo procedimento foi realizado por Freitas (2017) também utilizando digluconato de clorexidine a 0, 12% e com o mesmo objetivo.

A medicação utilizada no pós-operatório neste relato se baseia em foram Silmox 50 mg® (12 mg/kg), 1 comprimido e 1/2 BID durante 10 dias e o Nulli® (6 mg/kg), 0,5ml/via oral BID durante 10 dias. Freitas (2017) seguiu um protocolo diferente ao receitar como medicamentos do pós-operatório Spiraphar10® (Espiramicina, 90.000UI/kg; Dimetridazol, 12,5mg/kg), 1 comprimido e ½ SID durante 15 dias e o Maxicam® 2mg (Meloxicam, 0,15mg/kg), 1 comprimido e ½ SID durante 5 dias. Os autores consultados (COSTA, 2011; ASSUNÇÃO, 2017; FREITAS, 2017) indicam a ingestão apenas de alimentos pastosos até 20 dias da alta do paciente.

4. CONCLUSÃO
A escolha da técnica de correção cirúrgica a ser aplicada em cada caso deve ser minuciosamente analisada e levar em consideração o grau da fratura, a docilidade do animal e a disponibilidade do tutor para cuidados no pós-cirúrgico. A associação do fio interfragmentário com os cuidados pós cirúrgicos e a alimentação pastosa devolveram ao animal após o período de recuperação a antiga capacidade da mandíbula de mastigar e deglutir, necessitando de mínimo cuidados no pós-operatório o que pode resultar em um retorno precoce das atividades normais do animal e do tutor. A técnica utilizada apresentou-se adequada para o animal que estava em tratamento por permitir que ele retornasse a suas atividades normais após o período de repouso.

REFERÊNCIAS

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